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A pandemia de peste negra no século XIV 

A maioria dos livros sobre a Idade Média européia fala muito pouco ou quase nada sobre um fenômeno que marcou profundamente o continente e de certa forma deixou cicatrizes que permanecem até nossos dias, a terrível "morte negra", a pandemia de peste bubônica que assolou a Europa em meados do século XIV.
Durante todo o período conhecido como Baixa Idade Média, entre os séculos XI e XV, as condições de vida dos camponeses europeus foram mais ou menos às mesmas, independentemente do local em que vivessem. Pode-se dizer o mesmo em relação à população urbana e até quanto aos nobres e senhores feudais.
Basicamente, a habitação medieval européia consistia em um único grande recinto, sem divisões internas. Tal configuração estava presente tanto na miserável casa camponesa, feita de madeira e adobe, quanto nos imponentes castelos de pedra dos senhores mais poderosos. Esta concepção de moradia gerava alguns problemas bastante graves, principalmente no que diz respeito à saúde.
Esta configuração era bastante típica, e podia ser aplicada de forma mais ou menos geral para todo o continente europeu. Os pontos principais são a coabitação com os animais de criação, a ausência de divisões internas, o pequeno número de móveis e a falta de ventilação, já que geralmente havia uma única janela, quase sempre fechada para manter o calor da casa. O piso era de terra batida, às vezes forrado com palha ou junco.
O aquecimento era proporcionada por uma fogueira, quase sempre acesa no centro do ambiente. Não havia chaminé, apenas um buraco no teto, que além de deixar sair a fumaça também permitia a entrada da chuva, o que costumava apodrecer a palha do piso no inverno. Este desenho básico era uma constante em quase todo o território europeu, e só viria a mudar a partir do século XVI.
As camas, quando haviam, eram geralmente fechadas com cortinas, para proporcionar um pouco de privacidade. Eram mais largas que compridas, já que nelas dormiam de duas a oito pessoas. O homem medieval geralmente dormia despido, com a cabeça protegida por uma touca. O móvel mais utilizado era a arca, devido às suas múltiplas funções, já que o fator limitante quanto ao número de móveis era o seu custo, bastante elevado na época.
Os ambientes úmidos e enfumaçados, a falta de privacidade e a promiscuidade facilitavam sobremaneira a transmissão de doenças. Neste tipo de ambiente, quando um membro da família adoecia era praticamente impossível evitar o contágio.
A residência urbana seguia praticamente os mesmos padrões. A única diferença era a presença ocasional de um segundo piso, mais comum na casa do artesão, que usava o térreo como oficina e loja. A existência do segundo piso geralmente implicava na melhoria de algumas estruturas, tais como um piso aperfeiçoado e a construção de lareiras ou saídas laterais para a fumaça. Entretanto, tais melhorias não ajudavam a melhorar a salubridade do ambiente, já que as cidades medievais eram locais apinhados de gente, com esgotos a céu aberto, o que as tornava muito mais insalubres que as casas camponesas.
A enfermidade e a peste rondavam a vida das pessoas. Obter água limpa para beber e cozinhar era um problema, pois o conteúdo das fossas infiltrava-se no solo e contaminava os poços. Lixo, resíduos de curtume e matadouros poluíam os rios.
Quanto aos castelos, apesar de sua imponência usava-se a mesma configuração da casa camponesa, pelo menos até o final do século XIII. A partir daí houve progressos notáveis, principalmente na Inglaterra, com os castelos construídos por Eduardo I no País de Gales. Foi o talento e a criatividade de homens como Mestre James de Saint Georges, o arquiteto saboiano de Eduardo, que começou a mudar o conceito da habitação medieval, através da introdução de melhorias como o uso de divisões internas permanentes, a construção de latrinas, e principalmente a colocação de lareiras em todos os ambientes das áreas habitacionais, o que ajudava a reduzir a umidade e aumentava a salubridade dos mesmos. Fica mais fácil entender a moradia medieval se levarmos em conta que os homens da época passavam muito pouco tempo em casa.
Os pobres trabalhavam do nascer ao pôr do sol, e os nobres viajavam a maior parte do tempo. A vida era levada ao ar livre, e a residência, tanto a choupana do camponês quanto o castelo do senhor feudal, não passava de um dormitório ou um providencial refúgio contra as intempéries ou o frio do inverno.
Somente com o passar do tempo o conceito de "lar" foi tomando forma, e só a partir daí houve melhorias significativas no desenho do espaço privado.
Durante a Idade Média, um dos aspectos mais fundamentais da higiene, o banho, era considerado prejudicial se tomado em excesso. E "banhar-se em excesso" geralmente significava fazê-lo mais de duas ou três vezes por ano. O cheiro de corpos não lavados impregnava todas as casas. Mesmo os monges da abadia de Cluny, a mais opulenta da Europa, banhavam-se apenas duas vezes por ano, antes da páscoa e antes do natal. Nas áreas urbanas, o esgoto e a água usada eram simplesmente atirados pela janela, muitas vezes na cabeça do transeunte que tivesse a infelicidade de estar no lugar e hora errados.
As roupas eram lavadas muito raramente, geralmente duas ou três vezes por ano, devido à raridade e ao custo do sabão, e conseqüentemente viviam infestadas de pulgas, percevejos, piolhos e traças. Catar piolhos era uma atividade regular das famílias, sendo mesmo uma forma de lazer.
Quem mais corria risco eram os recém-nascidos, já que as mulheres costumavam forrar as camas com lençóis sujos e velhos para dar à luz, pois assim não estragavam os bons. Entre um quarto e um terço das crianças morriam antes de completar um ano e muitas outras antes dos dez anos. De cada dois nascimentos bem-sucedidos podia resultar um único adulto saudável. As casas eram ninhos de ratos, que disputavam com os animais de criação os restos de comida.
A dieta camponesa era imprópria e mal balanceada, consistindo basicamente de cereais, na forma de pão. Em alguns pontos da Europa o pão chegava a constituir mais de 65% da quantidade de calorias ingeridas (80% se não contarmos com o vinho). Todo o resto, vinho, carne, peixe, legumes, gorduras e queijo, não passava de "acompanhamento", ou seja, aquilo que acompanha o pão. As classes mais abastadas tinham direito ao pão fino, enquanto os pobres comiam o pão escuro, ou mesmo o chamado "pão de escassez", feito de aveia. Como diziam alguns cronistas da época "A hierarquia das pessoas define-se pela cor do pão que comem".
A verdadeira causa da doença era ignorada (e continuaria a sê-lo até o século XIX). Mesmo no final da Idade Média a medicina preventiva limitava-se ao isolamento e quarentena. Atribuía-se quase tudo à influência dos astros, e não era raro que os médicos mais famosos fossem também astrólogos. Para os pobres e ignorantes, a resposta era bem simples: todos os males eram castigos de Deus, irado com os constantes pecados cometidos pelo homem.
Para quase tudo se receitava a sangria, além de infusões ervais e misturas estranhas, quase sempre inócuas. Dentre alguns tratamentos exóticos, podemos citar o usado para eliminar a solitária, que consistia em lavar o couro cabeludo com a urina de um menino. Os pacientes com gota eram tratados com um emplastro de excremento de bode misturado com rosmaninho e mel. Para evitar marcas, envolvia-se o doente de varíola num pano vermelho, mantendo-o deitado numa cama com cortinas também vermelhas. Estes tratamentos não eram baratos, e o que era repugnante, bem como o que era raro ou difícil de obter, tinha um valor maior.
O pensamento médico, preso à teoria das influências astrais, ressaltava o ar como o meio de transmissão das doenças, principalmente as pestes. Era o ar envenenado, os miasmas e as névoas pesadas e pegajosas, provocados por todos os tipos de agentes naturais e imaginários, desde lagos estagnados até a conjunção negativa dos planetas, que espalhavam a doença e a morte entre os homens.
O homem medieval via a peste como um castigo divino. Entretanto, se analisarmos todos os dados referentes à habitação, higiene, alimentação e saúde, veremos que o caráter pandêmico da praga derivou da precariedade de todos estes aspectos, e de sua homogeneidade mais ou menos acentuada em todo o território europeu. A "morte negra" provavelmente não teria ocorrido se as condições de moradia ou higiene fossem outras, pelo menos não na extensão que ocorreu. Durante o apogeu do Império Romano, havia cidades muito maiores, mas as condições de habitação e saúde eram muito superiores.
A peste foi um fenômeno característico de um mundo em mutação. Foi o alto preço pago por um continente que começava a se abrir para o resto do mundo através do aumento das relações comerciais, mas que ainda vivia em um ambiente concebido para uma vida isolada e auto-suficiente. Sob este aspecto, a praga teve um lado positivo, ao obrigar o homem ocidental a mudar a sua forma de se relacionar com o meio ambiente, ensinado-o o valor do planejamento urbano e da higiene, além de expor a fragilidade da ciência médica medieval e, conseqüentemente, possibilitar sua evolução, livrando-a, pelo menos para alguns, da ignorância e da superstição. 
Texto escrito pela Professora Patrícia Barboza da Silva licenciada pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande – FURG.